Quanto ao movimento das massas, sou bem cético. Mas fico curioso para ver como as esquerdas capitalizarão os resultados para si, manipuladoras mui bem organizadas que são. Usando o que o Mouro escreveu, digo que "hermeneutas" como Mino Carta poderão ver nas revoltas populares um desejo de retorno ao esquerdismo primordial, puro, ao paleopetismo da época das Diretas Já. Lutero, em meio à podridão da Igreja Católica, não desejou uma volta à pureza primordial do cristianismo, recrudescendo-o com a Reforma e recrudescendo indiretamente a Igreja Católica em sua Contra-Reforma? Os papas eram príncipes corruptos quase assumidos, alguns encomendavam talvez mais pinturas de Júpiter e Diana do que de Jeová e Maria. O cristianismo estava mais paganizado do que nunca, as plutocracias dos Medici e Sforza prosperavam. Antes aquele cristianismo - ainda assim vil, é certo - do que o "autêntico" apocalíptico e "virtuoso" de São Paulo. De igual modo, preferiria que os políticos fossem sujos e corruptos assumidos, como o Maluf e o Roriz. Mas que estivessem com focinheiras, vigiados, que fossem punidos literalmente com crueldade quando pegos. Castigos físicos em praça pública seriam divertidos. Falo sério. Quanto ao Estado, deveria ser cada vez menor, TENDENDO para a anarquia. Mas que seria odioso de qualquer modo. Basta ler os capítulos sobre a democracia grega em A Cidade Antiga de Fustel de Coulanges para nos espantarmos com o quão parecidos eram alguns de seus problemas com os atuais. Venda de votos, alternância entre formas de ditadura e aristocracia, a primeira com o apoio do povo cheio de ressentimentos e vontade de se vender por pequenos agrados e de ver os ricos sendo perseguidos pelo tirano, a segunda comandada pelos ricos, baseada na tradição, no respeito à propriedade e à democracia mas pouco preocupada em manter ocupada a população invejosa - passou a ser invejosa quando a propriedade deixou de ser divina e passou a ser cobiçável - já que dispunha de escravos. Na democracia, ao povo votante - apenas machos nascidos na Hélade e descendentes de gregos - uma opção de engordar os rendimentos era vender o voto.
Vamos ao Mouro:
Quanto mais alegam querer mudar, mais querem que fique a mesma coisa
Texto de C. Mouro

Novos profetas com novas ideias velhas ameaçam com danações qualquer ínfima reflexão que escape de sua tutela. A manutenção do clima ideológico é a fórmula do poder pleno sobre uma sociedade massificada e, assim, imbecilizada. Os que parecem sair do círculo apenas percorrem sua circunferência e, assim, sempre se acaba voltando ao ponto de partida. A disputa de castas ou, mais propriamente, irmandades e quadrilhas ideológicas não permite que se saia deste círculo com facilidade, pois as propostas dos neo-evangelizadores é mudar para ficar a mesma coisa.
Nenhum destes grupos admite o enfraquecimento do Senhor Estado Todo Poderoso e são nisso acompanhados pelos servos, para quem o ideal é o pedir para conseguir. O mero pedir ao "bondoso senhor" é algo por demais arraigado; a promessa de se estabelecer como meio de dar às gentes o que desejam é própria de novos e velhos profetas, velhos neo-evangelizadores de discursos atemorizantes ou nebulosamente salvadores, que apenas reivindicam a obediência aos intermediários do Senhor Estado. E assim a roda gira. Em círculos desenhados por faladores profissionais interessados em obter nacos do poder estatal e, por tal, absolutamente contrários à sua diminuição. De fato, há o temor de que destas manifestações heterogêneas, sem mentores absolutos, possa resultar certa perda da mística do Estado, de seu "direito divino" sobre a população.
Sim, a massa crê no direito do Estado sobre ela, para quem ele é, ou deveria ser, a fonte da sabedoria e da justiça, de modo que aquilo que decorre de seu arbítrio - na verdade, de sua hierarquia de humanos - é a expressão da verdade e da justiça. Assim, cada indivíduo cultua o Estado que lhe convém, da mesma maneira que cada um elege o seu deus arbitrário conforme seu desejo sobre o que seja considerado verdade e justiça.
Claro que isso proporciona a criação de inúmeros deuses, aparentados ou não. São vários islamismos e cristianismos, pelo menos, já que estas são as ideologias historicamente inventadas por (prefiro "úteis para") governos dominarem e explorarem populações feitas servis, não pelo abuso da boa fé destas, mas sim pelo uso de sua má fé, de impor aos demais suas convenientes "verdades". Mas tais mentirosas verdades não produzem os resultados alardeados. Então a culpa é lançada na "deturpação" e não na sacrossanta ideologia salvadora. E aí, em meio a infindáveis interpretações, pululam hermenêuticas para salvá-la, com as quais os arautos das mudanças querem uma "volta às raízes", mudam as moscas velhas pelas novas, que antes foram mudadas, ou nem tanto.
O império romano criou a moderna política universal e não será fácil livrar-se de tal sistema com facilidade. A justificativa e pretensa legitimação do poder em nome dos pobres e coitadinhos, do povo (o bem coletivo sobrepondo-se ao bem individual com alegada legitimação do arbítrio divino) e mesmo d'uma tal de pátria cuja compreensão é obscura e não refletida, uma ideia incriada sobre cuja existência ninguém quer refletir. Assim, o Estado toma posse da sociedade, o governo se apossa do Estado, este ente místico, um partido ou quadrilha se apossa do governo e a alta hierarquia deste partido ou quadrilha se apossa do partido ou quadrilha. Pronto: agora esta alta hierarquia pode arbitrar as convenientes verdade e justiça que imporá a todos. E falsas verdades e injusta justiça logo darão lugar a novas fraudes, em novas ideologias e hermenêuticas ideológicas sem fim.
Reinaldo, Nivaldo, Olavo e Cia. como maiores opositores do socialismo é mais inverossímil que história da carochinha. Curiosamente, "ex" militantes marxistas, ainda defensores do Estado árbitro sobre a sociedade segundo a subjetividade deles mesmos, aspirantes a árbitros, anunciam-se os verdadeiros combatentes do socialismo atacando estas desnorteadas manifestações como essencialmente esquerdistas por "reivindicarem mais estado" e estarem comandadas por partidos radicais que foram delas escorraçados, tendo suas bandeiras sido queimadas. Ao mesmo tempo advogam pelo PSDB e DEM, louvam FHC, que anabolizou o MST com bilhões em verbas, legitimando-o, além de inventar as indenizações a terroristas e simpatizantes, entre outras ações "capitalistas", e mesmo chegam a ser cabos eleitorais de Serra. Defendem estes pulhas marxistas neomoderados como oposição. O discurso do Papa é mais esquerdista que os "pedidos de mais estado das manifestações". A igreja em sua totalidade e a própria ideologia cristã, defendidos por estes ex militantes marxistas, são muito mais estatizantes que as tais manifestações que queimam bandeiras vermelhas e escorraçam CUT, PSOListas, PTistas, PSTUistas, PCOistas e etc.. Estão confusos, sim, mas melhor confusos do que agarrados a ideologias e partidos. A esquerda irá se aproveitar e recapturá-los com a ajuda dos "ex" marxistas adoradores do Senhor Estado, que preferem o Estado com sua costumeira mística na esperança de ainda o tomarem para si e imporem suas baboseiras ideológicas.